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A terrível identificação com Emma

   Antes de começarmos a falar sobre o assunto, quero primeiro relatar alguns fatos cruciais que me levaram ao sentimento de hoje. Que sentimento? O de profunda indiferença.
Nesta última semana estive numa grande maré de alegria, não só porque o feriado se aproximava, mas também porque havia conseguido encerrar dois trabalhos da faculdade - faltando apenas um para o feriado.
   Por isso, quinta-feira não tive aula e nem trabalho. E durante o período da manhã fui pela primeira vez na minha vida na fonoaudióloga. Sim! Finalmente eu criei coragem e resolvi ir, sendo surpreendida por uma fonoaudióloga extremamente simpática e legal que quis saber toda a minha história de vida e o que me levou até ali.
   As notícias boas foram que eu não tenho praticamente problemas de dicção - a maioria das coisas são frutos da minha mente autodestrutiva - e que com poucas consultas irei resolver o meu problema com as palavras que contêm "s", na qual, tenho prolongado demais. Porém, quando eu contei a ela que aos 16 anos sofri de depressão e que me tratei com psicólogas e psiquiatra - inclusive citei a constrangedora situação de ir até a psiquiatra na companhia do meu pai - e ela disse que eu deveria voltar até lá. Por mais que eu mesma ateste que já esteja recuperada de meus problemas, ela disse que eu devo retornar, pois hoje, estou com outra mentalidade, confiante e mais adulta e isso poderia me ajudar muito.
   Mas essa questão fez brotar algumas dúvidas em minha cabeça: "Será que de fato tem algo errado comigo? Será que de novo eu preciso depender disso? Será que eu nunca deveria ter deixado de ir?"
   Por mais que a consulta com a fonoaudióloga tenha sido ótima, eu acabei começando a desconfiar das minhas atitudes e principalmente, pensando que devo estar voltando a sofrer de bipolaridade - sei que as doenças psicológicas não se curam de uma hora para outra, mas pensei que havia dado uma cessada.
   E durante a tarde continuei conversando com aquele menino que há algumas postagens atrás eu dizia "estar me apaixonando", pois nossas conversas via rede sociais estão cada vez mais frequentes. E aquela alegria de uma menina que está começando a gostar de alguém contagia não só eu mas as pessoas que estão a minha volta.
   Ontem à noite, o vi na "Missa dos lava-pés" e ao nos despedirmos ele me abraçou fortemente e disse que gostava de mim. Eu saí de forma tranquila, dando um leve sorriso que apenas eu poderia entender.  Fiquei extremamente eufórica, mas tive que disfarçar diante das outras pessoas. Durante a adoração, me ajoelhei e pedi para que Jesus me guiasse, se realmente era sensato seguir adiante com este princípio de relacionamento.
   Chegando em casa continuei a minha leitura do livro "Emma" de Jane Austen. No capítulo em questão, Emma dizia claramente que não daria chances para que Frank Churchill declarasse seus sentimentos por ela, porque ela mesma não tinha certeza se gostava ou não do rapaz. Ela estava bem confusa e em certos parágrafos, ela dizia que não gostava dele.
   O dia amanheceu e as coisas pareciam estar em sua normalidade - digo isso em relação a minha alma. Mas quando cheguei na igreja me deparei com o rapaz. E ele começou a andar atrás de mim o tempo inteiro, a me fazer perguntas, tentar puxar assunto e tentar me abraçar ou encostar em mim sempre que encontrava oportunidade. Eu estava na correria por causa do figurino - no qual eu era uma das responsáveis - e aquele exagero por parte do rapaz me provocou uma profunda irritação.
   A tarde foi passando e tudo foi se organizando, não havendo mais motivos para me estressar, mas ainda assim, os excessos por parte do rapaz não estavam me agradando, por sinal estava me incomodando muito.
  Não havia sentido tanto incômodo como eu estava hoje. A presença dele e os olhares me provocaram um certo desconforto . Senti que não queria mais aquilo. Não sabia se gostava ou não gostava mais, mas senti que aquele rapaz não tinha nada a ver comigo. Não há um futuro juntos, nem um começo, nem um encontro num belo parque ou à luz do luar. Não existe nós dois.
   No meio da celebração da paixão pensei em todas essas coisas. E uma culpa tomou em cheio o meu coração. Me senti a pessoa mais terrível do mundo, pois há um dia atrás eu estava alimentando os sentimentos dele, dando abertura e agora eu estava me afastando, não querendo que ele sequer olhasse para mim.
   Me senti monstruosamente mal, mas também pensei que havia pedido a Deus um sinal e bem naquele momento de profunda espiritualidade e oração eu tive total consciência de aquilo não me levaria a lugar nenhum.
   Eu me lembrei imediatamente de "Emma". Será que me influenciei pelo livro? Será que foi a minha bipolaridade que está se manifestando novamente? Tudo isso fez com que eu me sentisse totalmente pesada.
   Me senti como Dorian Gray dispensando a Sibyl Vane. Não sei se isso foi um grande pecado da minha parte, mas por fim, eu não consegui tolerar o seu abraço de despedida, não consigo entender porque aquilo me incomodou profundamente.
   Eu brinquei com o sentimento de uma pessoa e não foi nada voluntário. Fui uma mesquinha, não tenho condições de depositar meus sentimentos em uma pessoa, sou alguém doente. Simplesmente eu parei de gostar (ou achei de gostava) e não sinto mais nada a não ser pena. Tenho vontade de me afastar e fugir dessa situação, mas sei que amanhã serei obrigada a vê-lo e não será nada agradável. Não quero mais sentir o seu forte perfume, ele me incomoda, é como se fosse algo totalmente contra a minha vontade.
   Por que de um dia para o outro esse sentimento de repulsa começou a me dominar? Me sinto monstruosa por isso e não me orgulho nem um pouco. E peço perdão a Deus por isso, vocês não sabem o quão mal me sinto.

   Mas sei que quando isso passar, me sentirei livre novamente. Não enxergo mais uma vida ao lado de alguém, voltei a ter aquele olhar de um futuro caminhando solitariamente e segurando com suas mãos todo o peso de uma vida. Sim, eu estou preparada para ficar sozinha o resto da minha vida e não encaro isso como um drama.


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